Imaginários,
Corporalidades e
Materialidades Anfíbias











ADN

Ana Carolina Fiuza





1.
According to Eugene Thacker, the assumption that (information) technology is transparent significantly impacts how bodies—and consequently subjects—are understood by life sciences. Today, one of the key aspects of biotechnologies is the intersection between biosciences and computer sciences—a merging of genetic codes and computer codes. The term "data made flesh" (or conversely "flesh made data"), coined by Thacker himself, aptly encapsulates the convergences between genetics and computer codes, between the organic and the inorganic. This occurs through the online availability of known genetic patterns in databases (as seen in the Human Genome Project), software capable of performing gene sequencing or producing three-dimensional arrangements of mapped sequences, and microchips used to identify DNA mutations, amongst others. The capacity of these technologies, coupled with their aforementioned invisibility, allows scientists to conceptualise the body as information—change the code, change the body.


2.
Within the body-technique-mediation dialectic, inherent in the current human experience with machines, the theory of mind upload stands out. For scientists like Hans Moravec, genetically modified humans would be just a kind of second-rate robot, with their biological existence (DNA-guided protein synthesis) being their major limitation. In this sense, we must take a step further: assuming that human mental activity can be thought of as information (a mathematical abstraction that can be encoded into informational patterns and therefore does not require any specific physical form), Moravec believes it is possible to separate this mind from its organic body and transfer it to a machine-based support—ideally, a computer. This scientifically enhanced human, Moravec's superman, would thus be a super-intelligence, a disembodied existence independent of its original material substrate. As such, humans would definitively free themselves of the biological limitations (such as entropy) that had once made them more fragile than their own machines, even aspiring to technological immortality.
The disembodied form of the human is seen here as a feature that eliminates the contingencies of time and matter; and the body, in turn, is considered the original prosthesis— one that can be manipulated and/or replaced. The creation of a super-intelligent future for an optimised humanity would then utilise machines as a model of intelligence in its purest state, above and beyond physicality, through the (non)form of informational patterns. In this sense, Hermínio Martins speaks of "technological gnosticism": the aversion to the organic and natural, and the technological aspiration to transcend basic parameters of the human condition, such as finitude and the vulnerability of the flesh. The dream of achieving indefinite life with vastly improved cognitive abilities entails leaving biology behind and entering a new post-biological cybernetic phase of our evolution.








1.
Segundo Eugene Thacker, a suposição de que a tecnologia (da informação) é transparente afetará significativamente as maneiras como os corpos — e, consequentemente, os sujeitos — são encarados pelas ciências da vida. Hoje, uma das principais características das biotecnologias é a interseção entre as biociências e as ciências da computação — um cruzamento entre códigos genéticos e os de computador. O termo data made flesh, do mesmo autor — ou, no sentido oposto, flesh made data - resume bem as convergências entre a genética e os códigos computacionais, entre o orgânico e o inorgânico. Isto se dá através da disponibilização em bancos de dados online de padrões genéticos já conhecidos (como no Projeto Genoma Humano), softwares que realizam o próprio sequenciamento de genes ou possibilitam a configuração tridimensional das sequências mapeadas, microchips utilizados para identificar as mutações no ADN, etc. A capacidade dessas tecnologias, e sua já mencionada invisibilidade, permite aos cientistas conceberem o corpo como informação — altera-se o código, altera-se o corpo.


2.
Na dialética entre corpo, técnica e mediação, própria da atual experiência humana diante de suas máquinas, destaca-se a teoria do mind upload. Para cientistas como Hans Moravec, o humano geneticamente modificado seria apenas um tipo de robô de segunda categoria, já que sua existência biológica — a síntese de proteínas guiada pelo ADN — seria sua grande limitação. Nesse sentido, é preciso dar um passo além: assumindo que a atividade mental humana pode ser pensada como informação (uma  abstração matemática, que pode ser codificada como padrões informacionais e que, portanto, não requer qualquer forma física específica), Moravec acredita ser possível separar essa mente de seu corpo orgânico e transferi-la para um suporte maquínico — idealmente, o computador. O homem aperfeiçoado pela ciência, o super-homem de Moravec, seria portanto uma superinteligência, uma existência-sem-corpo independente de seu substrato material original. Sendo assim, o ser humano se livraria definitivamente de suas limitações biológicas (como a entropia), que o tornariam mais frágil do que suas máquinas, podendo mesmo aspirar à imortalidade tecnológica.
A forma disembodied do humano é aqui vista como uma característica libertadora das contingências do tempo e da matéria; e o corpo, por sua vez, é tido como a prótese original — que pode ser manipulada e/ou substituída. A criação de um futuro super-inteligente, para uma humanidade otimizada, servir-se-ia então das máquinas como modelo de inteligência em seu estado puro, acima e além da fisicalidade, na (não)forma de padrões informacionais. Nesse sentido, Hermínio Martins fala em “gnoticismo tecnológico”: a aversão ao orgânico e natural, e as aspirações tecnológicas de transcender parâmetros básicos da condição humana, como a finitude e a vulnerabilidade da carne. O sonho de alcançar a vida indefinida, com habilidades cognitivas amplamente melhoradas, consiste em deixar a biologia para trás e passar para uma nova fase cibernética pós-biológica de nossa evolução.



Martins, Hermínio. Experimentum Humanum. Civilização Tecnológica e Condição Humana. Lisboa: Relógio D’Água, 2011.

Moravec, Hans. Mind Children. The Future of Robot and Human Intelligence. Cambridge: Harvard University Press, 1988.


Thacker, Eugene. “Data made flesh. Biotechnology and the discourse of the posthuman”, In: Cultural Critique No. 53, Posthumanism (Winter, 2003), pp. 72-97, University of Minnesota Press.