Disembodiment
Ana Carolina Fiuza1.
While for some technological space celebrates the spirit (isolating it from the inner animality of humans, as intended by the modern anthropological machine, according to Agamben), for others this body extended by technology (to the extent that it dissolves into space) reveals the atrophy of our souls, now either too small to fill it or too weak to guide it, as asserted by Bergson. In contrast to the fantasies of mind upload and the idea of separating the body and mind as beneficial for humanity, Katherine Hayles advocates the intertwining of the experience within/of the body and its relationships with its environment (including technologically forged environments), emphasising the potentialities of the organic body and seeking to understand how information itself has been dematerialised—how it has "lost its body." It is in this hybrid context of matter and information that what Hayles terms the "post-human" emerges. Therefore, the post-human is not independent of the body-as-flesh experience, but rather strictly connected and determined by it.
On the other hand, Deleuze and Guattari establish a connection between psyché and soma with the idea of the body without organs (BwO), definitively rejecting the automatism of the body and its organisation as an organism. This involves creating a fuller, more alive, more intense body—a body of resistance to desire and life itself, achievable only by deconstructing the systematic organisation of this body as an organism. It is a body of experience, relieved of interpretations and judgements that organise our bodies and hinder new ways of life. As José Gil writes regarding the BwO, it is the pursuit of a "sensitive, affective becoming that thumps and disorganises the unity of consciousness." A "bodily unconscious" is thus proposed that disrupts the somatic cohesion of the organism and the homogeneity of the mind/consciousness itself. The full body without organs is therefore a body "populated by multiplicities," open to flows, becomings, and intensities, which allows itself to be cut across by "non-formed, unstable matters." Beyond annulling the body, it is about producing new bodies—possible organic and inorganic embodiments or incarnations.
2.
But if the human condition is inseparable from the experience of the body, what does the process of disembodiment entail? What stories are told—in fiction and "reality"—to prompt a consideration of the separation between body and mind, a resignification of subjectivity (on account of technological advancements) evolving regardless of our carnal existence? And what role does this organic body play in the so-called cyborg experience, where merging with the machine seems to be an irreversible path? Indeed, this is a reality that asserts itself over our societies, increasingly marked by an intimate relationship with new technologies. It is crucial, therefore, to consider how technologies can permeate our bodies and reformulate our subjectivities. Only thus can we make room for the multiple becomings postulated by Deleuze and Guattari, emerging in the interval of indiscernibility between the human and the non-human (or human and machine, in this case), without succumbing to the information vortex—or solidifying into some form of body—presented by new technologies.
1.
Se para uns o espaço tecnológico é a celebração do espírito — um isolamento da animalidade interna ao homem, como o pretendia a máquina antropológica moderna, de acordo com Agamben, para outros, este corpo estendido pela técnica — até um limite em que se dilui no espaço — evidencia a atrofia de nossas almas, agora pequenas demais para preenchê-lo, ou fracas demais para guiá-lo, como afirma Bergson. Em oposição às fantasias do mind upload e à ideia da separação entre corpo e mente como algo vantajoso para a humanidade, Katherine Hayles defende a junção entre a experiência no/do corpo e as relações com o ambiente no qual ele está inserido (incluindo ambientes forjados tecnologicamente), ressaltando as potencialidades do corpo orgânico e buscando perceber como a própria informação foi desmaterializada — “perdeu seu corpo”. Será neste contexto, híbrido de matéria e informação, que surgirá o que Hayles chamou de pós-humano. Este, portanto, não é independente da experiência do corpo-enquanto-carne, mas estritamente ligado e definido por ela.
Já Deleuze & Guattari estabelecem um nexo entre psyché e soma na ideia do corpo sem órgãos (CsO), refutando definitivamente o automatismo do corpo e sua organização como organismo. Trata-se da criação de um corpo mais pleno, mais vivo, mais intenso, um corpo de resistência para o desejo e para a própria vida, o que só é possível a partir de uma desconstrução da organização sistemática deste corpo como organismo — o corpo da experiência, livre de interpretações e juízos que organizam nossos corpos e impedem novos modos de vida. Como escreve José Gil, a respeito do CsO, é a busca por um “devir sensitivo, afectivo que atinge e desorganiza a unidade da consciência”. Propõe-se assim um “inconsciente corporal”, que desordena a coesão somática do organismo e a homogeneidade da própria mente/consciência. O corpo pleno, sem órgãos, é portanto um corpo “povoado de multiplicidades”, aberto aos fluxos, devires e intensidades - que se deixa atravessar por “matérias instáveis não-formadas”. Para além da anulação do corpo, trata- se da produção de novos corpos, incorporações ou encarnações possíveis — orgânicos e inorgânicos.
2.
Mas se a condição humana é inseparável da experiência corporal, em que consiste o processo de disembodiment? Quais são as histórias contadas — na ficção e na “realidade” — para que se pense numa separação entre corpo e mente, em uma ressignificação da subjetividade (em consequência dos adventos tecnológicos) que caminhe independentemente de nossa existência carnal? E qual o lugar ocupado por este corpo orgânico na chamada experiência cyborg, onde a fusão com a máquina parece ser um caminho sem volta? De facto, esta é uma realidade que se impõe sobre nossas sociedades cada vez mais marcadas por uma relação de intimidade com as novas tecnologias. É, portanto, fundamental que se pense como as tecnologias podem penetrar em nossos corpos e reformular nossas subjetividades. Só assim será possível dar espaço aos múltiplos devires, postulados por Deleuze & Guattari, que surgem na zona de indiscernibilidade entre o humano e o não-humano (ou humano e máquina, no caso), sem sucumbir ao vórtice de informações — ou se enrijecer em algum tipo de corpo — apresentado pelas novas tecnologias.
Agamben, Giorgio. O aberto - O homem e o animal. Tradução: Pedro Mendes; Revisão Técnica: Joel Birman. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
Bergson, Henri. Les Deux Sources de la Morale et de la Religion. Paris: PUF, 2008.
Deleuze, Gilles & Guattari, Félix. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 1. Trad: Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. São Paulo: Editora 34, 1995.
Gil, José. Metamorfoses do Corpo. Lisboa: Relógio D’Água, 1997.
Hayles, Katherine N. How We Became Posthuman. Virtual Bodies in Cybernetics, Literature, and Informatics. Chicago: The University of Chicago Press, 1999.